quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Caminhão de Mudança

Guardar para sempre.
O sorriso indecifrável. A epígrafe da monografia. As sabotagens baratas, as cantadas falsamente vulgares. “Se quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim”. Guardar a risada da Paula, noites regadas a Santa Isabel em Paraty. Guardar palestra do Alan Pals. Os lirismos chinfrins, as lágrimas com gostinho salgado de adeus. Guardar também as latinhas de cerveja com ar amanhecido, o livro dedicado, os e-mails da mãe. Guardar pra sempre o jeito espirituoso dele, toda a delicadeza e o abraço com gosto de “fly me to the moon”. A vontade de roubar os óculos dele só pra nunca mais olhar ninguém como olha pra mim. Guardar pra sempre a nostalgia da infância, o Tango de Rashevsky, a piada de judeu, o colo de pai. Guardar Antonio Maria “No mais tudo é menor...” e todos Xangôs. E também o cheiro do girassol, flor de laranjeira e o sussurro. Guardar sobretudo aquilo que fala da sua ausência. A consciência de liberdade, os braços abertos da Nata. Guardar o quadro do Chagall em que ele finca os pés no chão e ela voa. O convite pro samba, “se você disser que me tem amor, eu posso me regenerar”, as emoções baratas. O bliss. Guardar o jeito da Nilds entrar em casa – sempre carregada de apetrechos. Também o telefonema do irmão. Guardar o pecado, o segredo, e todo proibido realizado. A mãe Oxum, os brincos, colares e sabonetes. O recado no telefone, as 40 ligações perdidas e a música do Lenine. Pra sempre. A naftalina amorosa, as caixinhas, a capacidade de lembrar, os gritos da Bebel e Guimarães Rosa: “Minha porta é para o nascente”. Os suspiros, rebolados, pés pintados de vermelho pisando na lua do teu coração. E aquela canção que ainda vai existir. Guardar o leve torpor, a intimidade conquistada em noites de delicadeza. Uma mão na cintura e a outra no fundo da alma. Guardar o exercício da paciência, o sorriso do Murillo e a ansiedade de uns. Finais de tarde no Sachinha. As oferendas, charminhos de beira de estrada e a sensibilidade apurada . Guardar para sempre o tchachachá. Textos do Contardo Calligaris, nós duas tentando trocar a água do filtro sozinhas, a bolsa de água quente e o risinho meio cortado do Pedrinho. Os dias seguintes daquelas noites, a maluquice mais doce, o delírio mais manso. O jeito de dizer "peketita" da Carol, Dave Matthews tocando no carro. Luas minguantes, "eu, você nós dois", uma mordida no umbigo. Guardar ainda Chico cantando Mambembe, o samba na casa verde. O dedilhado no violão, o jeito de fazer birra, pra sempre. Bethânia de branco e pés descalços:"Agora tenho mais memória/ Agora tenho o que foi meu". As quatro pulando ondas no Rio de Janeiro, uma garrafa de Boazinha, happy- hours no Portuga, a mestra Gabriela Leite. O entardecer na Paulista, o último chocolate da caixa, Vinícius: " O ciúme é o perfume do amor". Davi falando francês, o cheiro de pleasures, a palavra "eloqüente", aquele jogo do Brasil com pipoca e cerveja e Caetano cantando Tieta. Guardar pra sempre ele me buscando na chuva, a exposição da Tomie, a carta que eu nunca tive coragem de entregar. Os argentinos chamucheros, uma noite em Maresias e o Marquinho carinhoso. Guardar os e-mails da Nata, o olhar enciumado borbulhante dele, a trilha sonora do banho "eu vim de lá, eu vim de lá pequenininho". Guardar o "loby you", o texto de Tony, as seis horas na estrada, y todos los tamasos totales. Grampinhos de cabelo, Gaufettes e o amendoim do Xingu. Guardar ainda Kiru cantalorando Maddona, a atmosfera da casa nova, o choro com som de cachoeira e o recato no ousado decote. Guardar sobretudo o patuá ,"que dá medo do medo que dá", o gosto de saudade, a vontade de recomeçar e a leveza : "pé em Deus e fé na tábua". Axé.

2 comentários:

Anônimo disse...

Má,
Adorei isso aqui..Fiquei horas me deliciando! Tá mto bom. Vou colocar nos meus favoritos.
Beijos Juju

Renata Megale disse...

C´est superrrrrrrrr!
Fantastic! Beijo morena da cor do pecado!