sexta-feira, 18 de junho de 2010

“Não tem regra”, isso me diz meu analista. Como assim “não tem regra”? retruco eu em pensamento. “ É. Não tem receita para segur, 10 passos, erros e acertos, tem que ir vivendo”. Ok, isso eu já entendi. Mas tem horas que tudo que você quer é uma equação. Uma formulinha que vc sabe que se fizer A+ B será igual a C. “Mas não tem”, me olha ele com aquela cara de ‘só sorry, dear’. Bom, e aí? Se não tem receita, não tem regra, então qual é a explicação para as coisas que não dão certo? Como é que a gente lida com a sensação de ‘virou fumaça’ quando alguma coisa que a gente quer muito... escapa das nossas mãos? Há de ter uma fórmula e as toneladas de livros de auto-ajuda estão aí para isso, meu querido e amado terapeuta. Religião, velas, curso de reiki. Alguma coisa tem que dar conta desse vazio. Dessa coisa nebulosa que não deixa a gente ver. Qual é o caminho? Tem que existir, oras. Em toda bíblia, Torá, Talmud, Alcorão tem. Mais de um, o de Moisés, Abraão, Maomé. Até os orixás têm um caminho. E a natureza então? O Rio não muda de rota... ele sabe direitinho onde vai. Lembra do Sidarta do Herman Hesse? “olhar o curso do rio”. Só nós aqui que não temos, somos esse bando de perdidos numa noite suja. Vidão, mesmo.
“É o poder da escolha”, ele me diz calmo. QUEM DISSE QUE EU QUERO ESCOLHER? Eu quero. Mas não o tempo todo. Esse bando de possibilidades, poxa, deixa a gente tonto. É muito. É Woody Allen, Carrie Bradshaw - tudo no mesmo balaio. Samba, suor e carnaval ao som de Rooling Stones. Gente, dá para colocar ordem nisso aqui, Sr. Terapeuta? Muita informação nessa minha cabecinha. Vai moço, me passa uma receita, te pago muito caro então eu quero uma solução pra esse soluço que volta de tempos em tempos. Essa coisa que não passa. Uma sensação morna.
Então é isso. Não tem caminho, nem soluçãozinha paliativa. É você e você. Do outro lado esse mundão aí.

terça-feira, 18 de maio de 2010

sábado, 15 de maio de 2010

O Velho e eterno Francisco

Depois de voltar de Paris é impossível não pensar no Chico Buarque. Não por nada. Ás vezes a gente vive uma fase mais Caetano, cansa um pouco da chicomania, enjoa que ele é bom em tudo, fica de bode desse jeito inacessível dele. Mas são fases. Ainda to para conhecer a mulher que vai para Paris, passeia da Île de Saint-Louis e não dá nem uma pensadinha: “hum, o Chico mora nesse bairro, será que eu vou encontrar ele?” Impossível. Aquela ilhota romântica, na cidade mais romântica, com a luz mais romântica... Chico, você não presta.
Ele foge das meninas histéricas brasileira... em Paris? Ora, assim não dá.
Quando vê, já estamos cantalorando Futuros Amantes nas esquinas da Rue de Rivoli. Ah, gente, isso não é justo. Porque quando entra-se numa “fase Chico Buarque”, gruda que é uma beleza. São meses escutando cds antigos, horas a fio no youtube vendo os vídeos reveladores, intermináveis especulações sobre o fim do casamento dele com a Marieta: “ele traiu? Ela aguentou? Ela é o máximo, ele está péssimo, 30 anos casada com o chico, jesus”. É muita intensidade, gente.
E os homens concordam. Nenhum é besta de criticar o Chico deliberadamente. Os mais ousados ficam em silêncio ou dizem? “é. ‘o cara’é bom”. Adoro quando eles chamam o Chico de ‘cara’. Depois vem o desespero, né? Quando vc percebe que está num buraco de Chico Buarque sem fim, tenta inventar os defeitos. Percebe alguns versos machistas nas músicas, acredita que como homem ele deve ser meio esquisito... mas não tem jeito. É um caminho sem volta. O jeito é esperar passar ou ser arrebatada por um cantorzinho de quinta que saiba como ninguém... inventar um Chico Buarque.

Para ouvir o top ten do poeta ( da autal fase)

- Joana Francesa
- Mambembe
- O Velho Francisco
- A Rosa
- Morena dos olhos d’água
- O que será (A flor da pele)
- Você vai me seguir
- Biscate
- Estação Derradeira
- Mil perdões

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Margarita

Querida Margarita,
Estou tão contente que vou te reencontrar que quase não caibo em mim. Lá se foram 6 anos e aquela menina moleca está mais para uma moçoila rabugenta do que aquele pote de mel que vc conheceu.
Fico ansiosa só de pensar em descer na estação Vallcarca e subir a calle Gomis. Pegar aquele elavadorzinho peque e entrar na sua casinha com cheiro de essência de limão. Saudade. Acho que eu vou ficar um pouco nostálgica, mas tudo bem, né? Vc promete que me dá um abraço de madre catalana? Então tá.
Foi o Guimarães que disse que "o correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta". Ainda bem.
Lembro como se fosse hoje: eu friorenta, hospedada na sua casa, sempre te pedindo mais um cobertor. No primeiro dia vc me deu uma manta bem grossa. No segundo, um saco de avelãs quentes para colocar no pé. No terceiro dia, vc desistiu. Colocou um cobertor na minha cama que era praticamente uma pele de urso, só faltava a cabeça. Sempre terna e querida. E não é que tivesse sua acidez. Catalaníssima, cheia de opoiniões, intensa e corajosa. Cozinheira de mão cheia. Nos colocou pra trabalhar. Ensinou a fazer um nhoque maravilhosos e um pá amb tomaca inesquecível. Saudade. Dos papos na sala de estar cercada de livros, da porta da sala entre-aberta quando vc estava com su "compañero". Tão querida e cuidadosa com as suas "nenas". Nunca vou esquecer de vc explicando que a gente não poderia demorar no banho porque "no tenemos tanta agua como en vuestro pais" FOFA. E cheiro de quando chegava com o maço de jasmin nas mãos...
Viu só, Margarita querida, sou reclamona mas sei bem lembrar de todos os detalhes especiais da estadia na 'amiga barcelona'.
To chegando para te dar um beijo carinhoso, brindar com um bom vinho espanhol e ouvir suas histórias.
Besote de tuya nenita,
Marilia

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Freud, Caetano e os meninos do Santos

Querida Natalinda,
Aqui na terra falta um pouco de samba, bossa e rock ´roll. Acho que as pessoas, de um modo geral, estão muito desinteressantes. Ou melhor, desinteressadas. Ninguém lê, paira um ar de superficialidade nos discursos e, juro, até nas piadas. Falta humor inteligente, sacadinhas de quem, hum, sabe. Sabe? E digo pra você, minha amiga, isso não é um olhar meu não. Vc sabe, sou sensível, panda, sempre pronta para perceber o melhor de cada um. Acho mesmo é que as pessoas estão ficando cada vez mais burras. Educadas à base de BBB e sitcoms americanos. Epa, não é que eu não assita hein. Tbm adoro passar a tarde contaminada pela preguiça, vendo essas besteirolas. Mas só isso não dá, né. Não sei, mas falta um quê. Um suspiro de diferença. Tá tudo muito padronizado, muito "facebook". Nego coloca lá: "vou almoçar" e tem 800000 mil comentários. Gente, falta do que fazer. Essas frases soltas, jogadas numa tela. Vouyerismo puro. E não tem escape, a gente acaba ficando refém. Eu tbm. Vira e mexe coloco alguma coisinha lá. Loucura esse mundo. Aí vc sai com as pessoas e sabe do que elas falam ? Do facebook, quem fez, quem deixou de fazer e quem colocou o que lá. É maluquice pura. Me dá uma aflição. Ninguém vai ao teatro, troca uma impressão sobre um filme que não que seja: "passei mal assistindo avatar 3d", ninguém tem uma música nova pra te apresentar. Mesmice, padrão. Até a comida tem o mesmo gosto em todo lugar. Estou começando a achar que São Paulo está ficando que nem os Eua. Pessoas bem-educadas, burrinhas e medíocres. Ui, to pesada hoje, né.
Fora o papo do futebol. Ah gente, sabe. Tem limite pra tudo. Homem que é homem, sabe falar de outras coisas que não só futebol. E veja só, eu sou uma mulher que gosta do esporte con la pelota. Outro dia mesmo tava aqui fascinada com esse time do Santos. Cheio de meninotes que se divertem jogando, vc precisa ver, Nata. Me remete àquelas frases do meu pai: " no tempo do Pelé se jogava com arte". Hahaha uma gracinhas, os meninos. Cada gol que eles fazem é um rebola pra ca e rebola pra lá, super divertido. Mas então, aí tem esses que só ficam articulados na hora de falar de futebol. Madre mia! Sai do Uol, mané! Vai ler algum livro, Chuchu, que vai fazer um bem danado pra essa sua cabecinha cheia de cerveja.
Ah mas isso não se restringe aos homens não, viu Nata. As mulheres tbm estão desinteressantes. Muito encimesmadas, até um pouco egoístas, paranóicas. Perdendo o charme, a leveza. Ficando... fúteis. Essa coisa de itgirl, de fazer pose como se tivesse em Manhattan... hello, Brasil.
Tudo isso pra te dizer que fui ver o Wisnik falando sobre Freud no Sesc Pinheiros. Com a participação saborosésima de Caetano Veloso cantando uma música linda que eu não conhecia que chama "Mãe". Ele meio tímido, falou que estava até "um pouco grilado" de cantar aquela música. Foi lindo. Tinha verdade, sentimento, entrega. Coisa de gente que sabe fazer. O wisnik mais ainda, nem preciso te dizer que os meus olhinhos brilharam quando ele conseguiu achar os conceitos do Freud no Machado de Assis e pasme, em Gregório de Mattos.
Aí, Nata, a gente vê. Como tem gente interessante, inteligente com coisas para dizer, acrescentar e trocar. Que não vive de literatura barata de baixo augusta ou de jornalismo esportivo. É gente que fala de alma, sabe?
Saí de lá, saltintante e preenchida. Quero ler a obra completa de Freud. De repente até me arrisco a responder a célebre do velhinho austríco. O que querem as mulheres?
Depois de tudo isso, te peço pra me contar um pouco aí desse seu mundo que, com toda certeza, tem pessoas e coisas muito mais interessantes e please, me sopra suas ternurinhas, to chegando e vc, sabe. Quero estar atualizada dos assuntos.
Beijocas
Mazi

sexta-feira, 19 de março de 2010

Doce, o Nascimento

Querida Natalinda, Muito tempo e muita saudade. Horrível essa rotina massacrante que deixa a gente sem tempo para ficar perto de quem a gente gosta.
Me conte alguns suspiros de Berlim, por favor? Acho que quando fui para essa cidade, estava de olhos (ou coração, talvez) vendados. Porque não vi a beleza contraditória da qual todo mundo fala. De novo, a beleza tá na gente né? E se não estamos abertos, nada deve impressionar. Me conta daí. O que você e a Fe têm aprontado. Como são esses alemães, tão complexos. Fortes, esbeltos, culpados, caxias. Me diga se acha que eles são felizes.
Amiga, ontem entrevistei o Milton Nascimento. Depois de muito tempo tentando, correndo atrás do Bituca, ele cedeu. Acabou sendo por telefone mesmo. Pensei comigo: “Poxa, justo com o Milton?”, boba eu. Porque até por telefone ele consegue ser apaixonante e doce. É, doce. Tão dulce que ‘uele a azucar’, não é assim que você fala ?
Logo no começo da conversa contei que era sua amiga. Nata, ele ficou em silêncio alguns segundos e riu. Sabe aquela risada que escapa meio olhando para baixo? Pois foi assim. Me contou que quando foi para Roma, ano passado, um show dele foi cancelado. E ali, passeando pela Piazza Navona, uma “mocinha muito simpática e bonita” foi saltitante na direção dele. Que a mocinha era você, eu já sabia. A novidade para mim é que vocês ficaram amigos. E zanzaram por Roma um dia inteiro juntos. Foram ao Coliseo e à Fontana di Trevi. Que foi um dia lindo. Olha, nessas, ele deixou escapar que dedicou uma música para você no disco que está gravando. Eu insisti pra ele me contar ao menos um verso mas ele não quis. É surpresa. Depois me pediu seu telefone, falou que tem seu e-mail mas que não tem o hábito de usar internet.
Depois vc me conta quando ele te ligar? Também quero ficar amiga do Milton. Ele é aquele mineirinho de papo bom que a gente sente que conhece desde sempre. Demorou 13 minutos para responder só a primeira pergunta e contou causos deliciosos de Minas, Rio e até da Dinamarca. Aí Nata, lembrei de uma aula do Walter. Em que ele disse que a voz do Milton tem uma tristeza que é histórica. Sabe que eu senti essa “força histórica” que ele falou. Mas não a tristeza. Rimos a entrevista inteira.
Tudo terminou com um convite para gente comer um tutu de feijão e um lombinho lá em 3 pontas, na casa da irmã dele.
Bora, Natalinda? Assim vc mata a saudade do temperinho inovidable brasileiro.
Beijos saudosos
Mazi

quinta-feira, 11 de março de 2010

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Carta de Mãe

Queridos filhos,
Nossa casa está a venda---linda,cuidada,ajardinada e muito amada. Ela é tão maravilhosa que aceitou meu tempo de dela sair. Por mim não é somente pela escada—é pela necessidade de mudar. Morar fora do chão, abrir uma janela para um céu maior, ver outros rostos, outra feira e, principalmente, outro tipo de luz. Ficar, quem sabe, mais perto dos meus filhos,ver a Teresa crescer sem ter que atravessar a cidade e viver com menos medos.
Sei que mudanças,quase nunca são externas mas, sim, um reflexo das que se desenham internamente. O que me tranquiliza é que sei que a deixarei sem nostalgia. Acho que não é o caso do papai. As pessoas, enfim, não são iguais mas ele me entendeu.
Sinto que essa casa cumpriu seu tempo, dando a vocês, uma infância feliz, correndo na rua, e com amigos pra brincarem. E para mim e papai, momentos de extrema alegria e crescimento espiritual. Aqui engravidei aos 40 e Marilia nasceu e floresceu.
Já comecei a ver alguns aptos com terraço para por minhas plantas....e ter uma terrinha prá cheirar quando chover.
Ao longo da vida fiz poucas mudanças, mas aprendi que é importante saber a hora de mudar.
Conto com a compreensão de vocês, afinal, a casa foi e ainda é de todos nós.
Mamãe.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Silêncio afinado

"Todo silêncio é música em estado de gravidez", disse o Mia Couto, num livro lindo.
Eu nunca soube muito bem como interpretar os silêncios. E essa falta de habilidade sempre me prejudicou muito. Eu sou muito falante e as falas em excesso deixam poucos espaços vazios: os tais silêncios. No jornal, aprendi na diagramação que toda página precisa de uns buraquinhos brancos, sem linhas ou fotos, os respiros – ou silêncios. É, difícil lidar com eles, eu sempre falo para o diagramador: “mas vai ficar esse buraco aí? Não é melhor a gente colocar alguma coisa? ” É que a gente confunde silêncio com tédio. Mas não é. É a mesma sensação que dá quando acaba a luz de casa. Dá uma ansiedade, um desespero, a gente pensa: “mas e agora, o que eu vou fazer? Não posso assitir tv, ler, entrar no computador” ... é vc vai ter que ficar em silêncio, pensar, conversar com alguém. Não é fácil, precisa de tempo para entender os silêncios. O Mia Couto foi maravilhosomente esperto nesse livro que chama Antes de nascer o mundo: ele inventou um “afinador de silêncios”. Sim, é um personagem que fica perto das pesoas e “ tece os delicados fios com que se fabrica a quietude”. Não é lindo isso? Eu já tive alguns afinadores de silêncios. São aquelas pessoas que, só de estar perto, já basta. E que quando abrem a boca já estão com o silêncio tão afinado que nasce uma música. E hoje, não sei porque razão, me deu vontade de falar deles. Desses afinadores geniais que andam na contramão do tempo, do trânsito e dos problemas cotidianos. Esses pequenos vaga-lumes que – mesmo que de passagem – só deixam lembrança e o maior dos ensinamentos: o bem-estar com os espaços vazios que são, na realidade, a nossa maior liberdade.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Iemanjá


salve a rainha do mar, dia 02 de fevereiro

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Das mazelas de ser panda

Pela maga mestra, Clarice

... e começou o meu calvário de anjo - pois a mulher, com sua voz autoritária, já tinha começado a me chamar de anjo. Não poderia ser menos comovente o seu caso: aquela era a noite de uma première e, se não fosse eu, o vestido se estragaria na chuva ou ela se atrasaria e perderia a première. Eu já tivera as minhas premières, e nem as minhas me haviam comovido. “A senhora não sabe o milagre que me aconteceu”, contou-me com firmeza. “Comecei a rezar na rua, a rezar para que Deus me mandasse um anjo que me salvasse, fiz promessa de não comer quase nada amanhã. E Deus me mandou a senhora.” Constrangida, remexi-me no banco. Eu era um anjo destinado a proteger premières? A ironia divina me encabulava. Mas a senhora, com toda a força de sua fé prática, e tratava-se de mulher forte, continuava impositivamente a reconhecer o anjo em mim, o que só pouquíssimas pessoas até hoje reconheceram, e sempre com a maior discrição. Tentei sem jeito a leveza de um sarcasmo: “Não me supervalorize, sou apenas um meio de transporte”. Enquanto que a ela nem sequer ocorreu compreender-me, eu a contragosto percebia que o argumento na verdade não me isentava: anjos também são meios de transporte. Intimidada, calei-me.
(...)
A verdade é que ser anjo estava começando a me pesar. Conheço bem esse processo do mundo: chamam-me de bondosa, e pelo menos durante algum tempo fico atrapalhada para ser ruim. Comecei também a compreender como os anjos se chateiam: eles servem a tudo. Isso nunca me ocorrera. A menos que eu fosse um anjo muito embaixo na escala dos anjos. Quem sabe, até, eu era só aprendiz de anjo. A alegria satisfeitona daquela senhora começava a me deixar sombria: ela fizera uso exorbitante de mim. Fizera de minha natureza indecisa uma profissão definida, transformara minha espontaneidade em dever, acorrentava-me, a mim, que era anjo, o que a essa altura eu já não podia mais negar, mas anjo livre.

(...)
Caí em mim e fechei a cara. Um pouco mais e teria dito àquela de quem eu era com tanta revolta o anjo da guarda: faça o obséquio de descer já e imediatamente deste táxi! Mas fiquei calada, agüentando o peso de minhas asas cada vez mais contritas pelo seu enorme embrulho. Ela, a minha protegida, continuava a falar bem de mim, ou melhor, de minha função. Emburrei. A senhora sentiu e calou-se um pouco desarvorada. Já na altura de Viveiros de Castro a hostilidade se declarara muda entre nós.
(...)

Ao saltar do táxi, assim como quem não quer nada, tive o cuidado de esquecer no banco as minhas asas dobradas. Saltei com a profunda falta de educação que me tem salvo de abismos angelicais. Livre de asas, com a grande rabanada de uma cauda invisível e com a altivez que só tenho quando pára de chover, atravessei como uma rainha os largos umbrais do Edifício Visconde de Pelotas

domingo, 24 de janeiro de 2010

... acho que dessa foi mais difícil. Porque depois desse tempão que você ficou aqui, Nataloka, me sinto um pouco Cabanas, já. E vc também um pouco Neustein, né? Coisa de irmãs. Não é todo mundo que entende isso.
Fica na cabeça não só o rosto cheio de candura dos “meus avós Cabanas” , mas também a coreografia da "Maica" depois de 4 horas e meia de estrada. O jeito carinhoso que a Teresa olhou pra você na praia, várias vezes. Já fica a saudade das conversas metafísicas de sempre, aquelas que passam por Inês Pedrosa, Marieta Severo e Beyoncé. Ou você acha que essa mistureba qualquer um entende? Entende nada. Como é que a gente vai fazer, Natalinda? Voltar para os e-mails quilométricos, né? Você me contando do mundo catalão e eu te pondo a par da mesma lenga lenga de sempre. A gente vai lembrar juntas dos micos, das exposições de grafite, Cinco a seco, la tartine. O chororô de sempre. A peças conceituais: de Antunes filho a Isabelle Huppert. E as histórias? As sorayas e violeteiras. Ah Amiga, que saudade, já. Da mistura de pastelzinho de Belém e galletitas gallegas.
Me escreve contando daí. Do frio e das árvores sem folhas... Do céu anil de Barcelona e das lamparinas da Gran Via. Me conta das expressõezinhas novas que vc aprender. Ah eu vou ficar aqui, né? Na minha ponte diária Vila Madalena- bairro do limão. Vou tomar os choppinhos de final de semana e, prometo, se eu descobrir naquela biografia da Clarice mais alguma safadeza da maga-mestra, vou correndo te contar. E Nata, vou tentar equilibrar minha Hannah Arendt tupiniquim e pegar leve na hora de criticar os vaidosos de plantão. E faltou tanto, ainda... quando você voltar me leva no bazar da Lucy in the sky ? Eu dou um jeito de arranjar ingressos para um desses shows de bandas pernambucanas pra gente. ;)
E Faltou vermos a Fernanda Montenegro, amiga. Vamos?
Boa Viagem Nataloka.
Ariverdecci. ;)
Mazi

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A terapia e a terapeuta

Eu tinha só dezoito anos. Ainda não dirigia, minha vida era colégio, cursinho e teatro. Tinha paranoia com regime, lia Clarice Lispector, adorava mitologia grega e era apaixonada pelo meu vizinho que andava de bicicleta. Foi nesse estado que eu resolvi fazer terapia.
E a Beth- minha terapeuta - era exatamente o que eu imaginava de uma psicanalista: elegante, discreta, calma. Foram 7 anos. Um chororô sem fim naquele divã. E ela, lá. Me entendia. Dizia as coisas com uma delicadeza sem precedentes. Diagnosticou todas as loucurinhas da minha cabeça. E me ajudou, todos os dias, a tirar as pedrinhas dos sapatos. Ser mulher não é fácil. Mas é bonito. Ah Beth, querida.
Beth,
Estranha essa relação que fica restrita a um sofá. Eu sei que em análise a gente deve se conter, racionalizar, é como se fosse um trabalho científico. De dissecar os pensamentos, as angústias, aprender a blindar, a resolver, crescer, enfim. Para mim a terapia foi um processo profundamente revelador sem, no entanto, perder a graça de uma boa conversa. Então foi difícil ter que assumir uma postura tão "não panda"na hora de fechar esse ciclo.
Queria, sei lá, te agradecer. Por todas as segundas feiras chuvosas, pelas manhãs de quinta-feira. E também te dizer que a sua delicadeza é uma sorte. Foi bom poder chorar quando tive vontade. Foi bom saber que tudo bem. Que tudo é tudo bem. Ficar triste, ficar demasiadamente feliz, de ressaca vez ou outra, também. Tudo bem sentir vontade de não ir, ter raiva das pessoas que a gente ama. Tudo bem deixar de gostar de alguém. Ou querer muito ser aceita em algum circunstância. Obrigada Beth, por me ouvir com tanta atenção. Por prestar atenção nos textos e e-mails que eu te li, sessões atras de sessões. Por me ajudar a desvendar meus sonhos. Pelos elogios e puxões de orelha.
Obrigada por abrir meus olhos para meus exageros e mimos, tá?
beijos carinhosos.