quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Sobrançaria

Se é verdade que toda aluna, em algum momento, se encanta por um professor, eu não sei. Mas eu tive o meu.
Foi desde o primeiro dia de aula. Quando ele começou apresentando Guimarães Rosa, Machado de Assis e Lima Barreto. Só contos ou capítulos. Lembro direitinho disso. Ia relacionando os textos com a “realidade” – suposto objeto de estudo do jornalista.
Era categórico, aquele professor, todo cheio de soberba. Mas não era essa a sua graça, ou bom, tá, talvez um pouco. Mas ele tinha um quê de normal, sabe?
Disse, numa aula, todo metido e sem muita abertura para questionamentos, que o Chico Buarque era “o último compositor de herança literária”. Eu achava bonito como ele dava um jeito de fazer referências aos sentimentos.
Ele ria em aula. E tinha uma ironia suave que me irritava e me deixava admirada.
E aí, teve um dia que ele veio com essa, do significado de sobrançaria. “É superar o outro de uma boa maneira”, definiu. Bingo! Era isso. Não estava apaixonada, não era amor platônico nem nada dessas baboseiras, o que eu queria, era “sobrançar” ele, de alguma maneira. Queria ser mais sensível, mais instigante e misteriosa do que o professor. Tonta né ? Porque todas as vezes que eu fui lá, cheia de coragem e segurança, ele delicadamente me colocou no lugar de aluna.
Bom professor, aquele. Que tinha um tom de voz sereno e intimista. Não era muito alto, nem muito baixo. Usava óculos e esboçava uma futura carequinha. Tinha um brinco na orelha, estilo anos 80 e era são paulino roxo.
Os meninos, claro, ficavam enciumados. Mas como eu, sabiam que não dava para competir. “O cara é bom, gente” eu defendia. Mas não tinha jeito, homem quando dá pra ter inveja , é pior do que mulher. “Ele é arrogante, metido e presunçoso”.... alguns mais sensatos colocavam de outra maneira :“ Ele é ótimo professor, mas faz questão de se mostrar para as menininhas”. Eu sabia de tudo. Como ele dava uma atenção especial às mulheres ( mas era uma delas, fazer o quê), como ostentava seu conhecimento sobre as coisas ( mas isso gerava uma raiva mesclada com admiração) e como era implicante com alguns alunos ( mas isso só fazia dele diferente).
Numa prova, escrevi uma frase de Guimarães Rosa. “Minha porta é para o Nascente”. Ele sublinhou e escreveu em vermelho: “Bonito”.
Mas bonito, mesmo, foi quando, falando sobre solidão, ele leu o poema “só” de Manuel Bandeira

Poema só para Jaime Ovalle
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro (Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia. Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei, Bebi o café que eu mesmo preparei.
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro efiquei pensando...
- Humildemente pensando na vida e nas mulheresque amei.

“Existe coisa mais só do que beber o café que você mesmo preparou?” Perguntou. ele.
Não, professor, não.
Anos depois, trombei com ele, no meio da rua. Sem apagador, giz ou soberba alguma. Estava calmo, olhando de igual para igual, com a mesma risada irônica. E mesmo sem eu saber, ele já tinha notado: estava ali, uma tímida sobrançaria.

4 comentários:

Anônimo disse...

sempre passo por aqui e nunca me decepciono.

sempre sensível.

um beijo,

mariana.

Marina Morena Costa disse...

uau, mazinha!
amei.
túnel do tempo, sabe? viajei, rs.
tenho saudade das aulas dele, da ironia, do sorrisinho.
e seu texto tá lindo. Muito bom mesmo. Parabéns, flor.
e obrigada! =)

Anônimo disse...

inevitável, essa sempre é a primeira e grande paixão de uma menina ... professores.

Nataly disse...

Lindo, não sei como deixei passar esse...
bjo
nata