quinta-feira, 29 de novembro de 2007

TCC - parte III

Coquetel

Releitura de “Pequenas Epifanias” de Caio Fernando de Abreu

O Cauê é um doce. Não conseguiu dizer que eu estava bonita então disse assim: “Você está tão bem né? Você soltou o cabelo?”. Sorri. Tem aquele tipo de leveza que é invejável. Coração bom, do tipo que é solidário.Segurou minha bolsa e colocou a mão na minha coxa. Partiu um pedaço de carne, colocou no meu prato e regou com limão “assim fica mais gostoso”. Alimentou-me. Minha alma saiu de lá satisfeita. Olhou pra mim e disse: “Você está um pouquinho bêbada, vou te levar em casa”. Não precisa, mas trouxe. Falou de Chico Buarque como se fosse mulher. Comentou que tem azar no jogo “mas sorte no amor” com um sorrisinho sutil e maroto. Desses que não promete nada, mas já vem embutido o mundo embrulhado em ouro. É queridíssimo pelos amigos, pagou a conta e deu carona pra todos. Cauê quer ter filhos logo “uns 5, se eu pudesse, teria já”. Quando o irmão mais novo pede champagne porque “está com sede”, Cauê dá um tapinha e fala “pega uma coca”, mas acaba dando um golinho.

Ele me deixou com um sorriso genuíno no rosto o dia seguinte inteiro. Quando eram 11 horas me ligou pra saber como eu tinha ido pro trabalho, “fiquei preocupado”. E um silêncio grande tomou conta da linha telefônica. Não conseguia falar nada. É que dentro de mim tinha apenas uma brisa que não podia ser verbalizada. Porque é muito interna, íntima e profunda. Tranquei minhas palavras.

Durante a tarde lembrei de um texto do Caio Fernando de Abreu que fala em pequenas epifanias : “Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia. Era isso – aquela outra vida, inesperadamente misturada a minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania.”
Eu vivi uma pequena epifania porque enxerguei um presente em todo aquele sentimento. Depois veio o súbito medo de perder, de esquecer todos os sentidos que foram colocados a postos naquela noite. E tudo que estava suspirando dentro de mim na manhã do dia seguinte. O medo de simplesmente esse momento, fazer parte da coleção de coisas que foram e que não deixaram nenhuma marca. Sempre fui nostálgica, sobretudo do que não chegou a acontecer. Dos deslumbramentos a haver. Já ele, o Cauê não. Ele é concentrado na felicidade. Tem um sorriso espiral e olhos solares.

E tudo isso nascido de uma noite de coquetel de trabalho...

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