segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

MIJU


Meio judia – Meio mineira

Quando pequena, na escola, tive que preencher um formulário sobre a religião dos meus pais. No campo “pai” escrevi “judeu”. No campo “mãe” escrevi “mineira”. O caso é motivo de piada na minha casa até hoje. Posteriormente fui compreender que ser mineiro é quase uma religião mesmo, e que judeu é uma identidade cultural, independente do local de origem. O fato é que ter uma mãe mineira e um pai judeu é uma combinação rica e ao mesmo tempo bem esquisita. Por exemplo, na minha casa temos todas as festividades, natal, paissach, sexta-feira da paixão, rosh-hashaná e assim por diante. Minha mãe, vive dizendo provérbios que aprendeu em Minas. Meu pai, expressões em ídische.
No ano novo judaico, minha tia Léa, costuma dizer que ser judeu é uma escolha. Cheia de graça, ela prepara na cozinha o peixe típico, tudo com bastante raiz forte “para lembrar o tempo da escravidão do povo judeu”. Depois molha-se a maçã no mel para que o ano que chega, seja doce. Na hora do brinde a família toda diz “Shana- tová”. Feliz ano novo. Já Minas é recato, é renda nas janelas, barulho dos paços na procissão de Corpus Chisti e cheiro do pão de queijo recém saído do forno. Quando andamos na rua, as pessoas perguntam cheias de curiosidade: “fiin, ce é fi de quem”. Minha avó Arlete costumava deixar um chá de cidreira, colhido na horta, junto com uma rosquinha, na cozinha. Os netos no café da manhã, conversavam a beira do forgão a lenha, pra se aquecer do frio das montanhas mantiqueiras. Os doces, na mesa. De abóbora, de figo, de batata doce. Todos sempre discretos. As netas precisam ser “moças de família”.
Conviver com as duas culturas me dispertou uma grande curiosidade e conversando com outras pessoas que também são filhos de casais mistos, pude notar algumas características em comum dessa identidade curiosa “meio judia –meio mineira”.
Ser meio judia- meio mineira é “passar duas vezes a chave na porta”. É rezar o pai-nosso e sempre ser um pouco desconfiado. É se comover com os filmes do holocausto e chorar assistindo “O violinista no telhado”. Ser meio judia-meio mineira é falar pouco e ouvir, muito. É dançar “Hava Nagila” e achar que casamento judeu é a mais linda das cerimônias. É adorar queijo branco e guefilte fish. É aprender com uma avó a fazer biscoitos, ouvindo ela contar as histórias de interior e com a outra, a fazer varenique escutando-a cantalorar músicas em ídiche. Ser meio-judia, meio-mineira é se sentir mineira quando lê o “Grande sertão : Veredas” e judia quando vê um quadro do Chagall.

Mas ambos, judeus e mineiros, mantêm um ar de nostalgia, têm um ditado na ponta da língua e muito afeto. Têm fé e sentem despertar um tempo de amanhecer da vida. Ser meio judia- meio mineira é misturar as origens e tirar a poesia que existe em cada uma delas, é exatamente isso: acreditar num tempo de amanhecer da vida. “Shalon” e “benção”.

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